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UM CONTO DE ONOFRE DOS SANTOS
O soba grande dos Ombalas morreu há dois anos e ainda não foi enterrado. O seu corpo conservado com todos os cuidados dos mais velhos jaz erecto, na sua embala, sentado na cadeira tradicional, de olhos semi-cerrados, adornado dos muitos símbolos do poder longamente exercido, os pés nus assentes sobre a pele inteira de um leão submetido pela sua lança quando há muitos anos atrás fez prova da sua coragem e do seu mérito masculino, não só para se tornar um homem grande mas também herdeiro do trono que foi dos seus pais e tios, durante séculos.
A sua corte, os anciãos, os seus ministros e conselheiros mais próximos, todos os dias vêm silenciosamente à sua presença, o rosto baixo, quase roçando o chão, batendo palminhas, não se atrevendo a fitá-lo nos olhos, saindo como entravam, abanando as cabeças numa veneração inconformada com o silêncio e a imobilidade que persistiam em ocupar a cadeira real.
Apenas o ancião que preside ao conselho divinatório, sacerdote e consultor do rei em matéria religiosa, está autorizado a tocar no corpo rígido do soba, compondo-lhe a postura, ajeitando a coroa com a cabeça de leopardo que é o símbolo da dinastia há mais de cem anos, desde que o avô do falecido, à frente da horda dos seus mais valorosos combatentes assaltou e conquistou os pequenos reinos à volta, unificando tudo e todos sob o símbolo do leopardo.
O reinado que agora terminava tinha sido, todavia, um tempo de paz e diplomacia, o finado fora um verdadeiro mestre na conciliação dos muitos e variados interesses das famílias nobres oriundas dos reinos conquistados que aspiravam a mais atribuições e autonomia.
Manda o costume entre os Ombalas que o funeral do rei seja ao mesmo tempo uma cerimónia de partida e ressurgimento, devendo as meticulosas cerimónias do enterro ser comandadas pelo seu próprio sucessor designado.
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Paizinho, o que é o costume, afinal?
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O costume, Luanga, é a maneira como nós fazemos as coisas, como temos mesmo de as fazer, é a nossa lei… tu estudaste isso lá na cidade…
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Mas, paizinho, o tempo passa, o avô continua lá sentado no trono em cima da pele do leão, o povo está a morrer de tristeza, o que é que o costume diz a isso?
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Tu és ainda muito nova minha filha, o tempo para ti corre veloz como um regato por cima das pedras… mas para nós o tempo não existe, nós é que passamos…
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O kimbanda não quer que eu esteja perto do avô, diz que o espírito dele tem de estar concentrado na escolha do novo soba… parece até que a culpa é minha por não terem ainda feito a selecção…
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É minha filha, o trabalho do conselho dos adivinhos não está fácil desta vez… mas tu, Luanga, tens de respeitar o protocolo, tu sabes as regras, uma coisa são as pessoas com responsabilidades e outra são os parentes…
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Mas eu gostava tanto de falar com o avô, era sempre ele que me chamava, ele gostava de me ouvir e sempre sorria para mim…
A verdade é que se a eleição do novo rei dos Ombalas parecia estar nas mãos dos membros do conselho divinatório, o grande número de candidatos sempre tornaria a escolha do seu sucessor uma tarefa extremamente espinhosa.
As candidaturas à sucessão do rei estavam pelo costume sujeitas apenas a uma regra fundamental: que nenhum aspirante ao trono pudesse subir mais alto que o seu próprio pai.
A consequência mais evidente dessa regra tão antiga era que só se podiam tornar reis os filhos do falecido soba e os filhos dos sobas dos reinos subjugados e agora unificados sob o símbolo do leopardo.
Ora não eram menos de trinta os filhos de reis, potenciais sucessores daquele que esperava sentado por um deles para o conduzir para o além. Os adivinhos do conselho tinham de escolher dois candidatos para se fazer a escolha final pelos mais velhos de todos os reinos unificados.
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Porquê dois, paizinho, porque é que os adivinhos não escolhem logo aquele que será o novo rei?
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Porque não são eles que escolhem minha filha. Eles fazem o contrário Luanga, eles excluem todos aqueles que não são tão capazes, todos aqueles que têm algum defeito, no corpo, ou no carácter… vão cortando, cortando, até chegar aos dois que são os melhores para sentar na cadeira do leopardo.
Luanga não era filha de rei mas era neta. Não fazia parte da lista de candidatos a que os adivinhos davam voltas e voltas para reduzir, sujeitos a pressões dos grupos mais influentes que apoiavam este ou aquele candidato para a eleição final.
Para alguns dos candidatos esta eleição seria a última oportunidade de perpetuar a linhagem dos reinos que embora subjugados tinham orgulho da sua história, das suas crenças e muito particularmente dos seus antepassados que clamavam pela sobrevivência da sua memória. De facto, alguns dos candidatos já rondavam os sessenta e até os setenta anos, muita idade para ainda poderem manter alguma réstia de esperança de esperar por outra sucessão como esta. Alguns já tinham mesmo morrido nestes dois anos de tensa e enervante expectativa.
Luanga gostava muito do seu amigo Finde, também ele neto de um dos candidatos, oriundo de um dos reinos conquistados, com quem conversava quando este vinha de férias das aulas na universidade.
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Não te parece Luanga que este costume de fazer o rei esperar uma vida, sentado à espera de um sucessor é uma enorme atrocidade?
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Não sei, a princípio fazia muita impressão ver o avô transformado numa estátua pois estava habituado à sua alegria e vivacidade, sempre a sacudir o seu rabo de gnu para afastar os maus espíritos… e as moscas… mas depois habituei-me, continuo a visitá-lo sempre e falo com ele como dantes, mesmo que a sua resposta seja o silêncio, acredito que ele me ouve e que aprecia a minha presença. Olha, há dias faltei de aparecer, fui na cidade… quando voltei, os seus olhos estavam mais tristes, mas quando me viu parecia mesmo que sorria para mim…
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Tu acreditas mesmo que o rei morto sorriu, assim, para ti?
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O meu avô… era o rei mas antes era o meu avô, me cuidou desde menina, andei no colo dele, me mostrou tudo aqui à volta, me levou na tua aldeia Finde, disse esta terra é grande mas só é boa havendo paz, não somos todos iguais, ele dizia, mas todos queremos o mesmo.
Luanga continuou a fazer as suas visitas à embala do rei, aproveitando as horas mais solitárias do dia para não importunar os venerandos anciãos que diariamente vinham prestar as suas homenagens.
O que Luanga não conseguia evitar era o velho kimbanda que todos os dias repetia maquinalmente o ritual junto do falecido monarca, ajustando à sua cintura as peles dos animais tabú, apertando aqui, folgando ali, acrescentando óleo na lamparina a arder perenemente e espelhando um reflexo da sua chama nos olhos baços do rei.
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Luanga, já te tenho dito que não é bom ficar aqui a distraíres rei... o seu espírito tem de sair e percorrer o reino, ver como todos se comportam, principalmente aqueles que querem vir aqui sentar-se na sua cadeira depois de o conduzirem à tumba que está preparada há tempo demais...
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Mas kimbanda, ele aprecia a minha presença, ele me entende, eu falo com ele...
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Tu falas... ele agora só tem um pensamento que é o de escolher aquele que terá a dignidade de nos governar, como ele nos governou... e tu só estás a distraí-lo...
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Ora, um pouco de distração não lhe fará mal nenhum, e não é ele que tem de seleccionar os candidatos, são os mais velhos do conselho e tu que és o sacerdote tens a maior responsabilidade...
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Eu conheço bem os meus deveres... mas se os espíritos não ajudarem nada podemos fazer ... por isso, o rei tem de ajudar.
Apoiado na sua bengala, o velho kimbanda inclinou-se numa profunda reverência ao rei e começou lentamente a despedir-se do seu soberano olhando de soslaio para Luanga que parecia suspensa da sua retirada daquele chão sagrado. O sacerdote lançou ainda um último olhar para o velho rei e nesse momento estremeceu. O que acabara de ver deixara-o absolutamente assombrado e desconcertado. Em passo lesto, quase dispensando o bordão, sumiu da embala.
Entretanto, o conselho dos adivinhos continuava dividido, incapaz de chegar aos dois candidatos finais, persistindo o impasse, em grande parte resultante de cada reino ter o seu candidato indeclinável. Apesar dos inúmeros sacrifícios aos espíritos dos antigos reis e das muitas consultas que os membros do conselho fizeram calcorreando os reinos à volta, na expectativa de um sinal ou oráculo que lhes iluminasse um candidato com as qualidades apropriadas para dirigir os Ombalas, os sábios do conselho não conseguiam libertar-se das suas arreigadas convicções pessoais. Apenas os candidatos com alguma deformação, deficiência física ou cegos, haviam sido considerados até então como inelegíveis. Fora os que foram morrendo ao longo do processo de selecção.
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Meus senhores, esta situação não pode continuar assim ... isto vai ser uma mancha na nossa história... ou fazemos já algumas cedências ou neste passo vamos continuar mais dois anos...
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Só mesmo a morte tem sido capaz de fazer algum avanço, ceifando alguns candidatos da nossa lista...
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Mas temos problemas sérios e urgentes que reclamam solução das nossas autoridades e o regente com poderes provisórios está tão atarantado aguardando a coroação de um novo soberano...
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O nosso falecido rei conduziu-nos a um grande progresso mas sinceramente, esta espera pelo seu sucessor está-nos a ameaçar a todos com um retrocesso desastroso...
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Até as nossas conquistas estão em risco... os reinos vizinhos começam a dar mostras de que preferem voltar à sua independência, a vassalagem antiga está a recuar, estamos a um passo da desagregação de tudo que tanto custou a unir...
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O casamento de Luanga com Finde poderia ajudar a consolidar os nossos laços, se o pai de Luanga fosse o escolhido...
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É uma estratégia que o nosso falecido rei iria certamente aprovar...
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Mas o seu espírito actualmente não nos tem ajudado muito, divaga por aí, absorto, sem direcção definida...
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E não vai de certeza na direcção do pai de Luanga, ele é o seu 12.º filho, antes dele há muitos filhos mais velhos e com melhores credenciais para lhe suceder...
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O problema é que todos eles não têm estudos, nunca saíram daqui, não foram na universidade, as suas ambições continuam a ser as mesmas do passado, não se vê em nenhum deles um sinal de futuro...
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É, parece bem que teremos de esperar mais um reinado para chegar a uma geração de príncipes estudiosos, que conheçam o mundo e se mantenham fiéis às tradições....
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Assim vamos ter de esperar muito... me pergunto se o costume e essa regra de sucessão não poderiam mudar...
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Podemos mudar o costume?
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Se mudarmos vamos contra o costume...
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Ou vamos começar um novo costume...
Nesta altura de mais uma interminável discussão entre si, todos os membros se voltaram para o ancião sacerdote que presidia ao conselho.
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Meus senhores, todos sabem que ninguém, mais do que eu, e antes de mim o meu pai e antes dele o meu avô e assim sucessivamente, defende o cumprimento rigoroso do costume. Porque o costume nos diz o que fazer e não temos de pensar se devemos fazer assim ou de outro modo. Mas agora temos os nossos filhos e os nossos netos que vão à escola, vão até à universidade, vão lá fora, e eles perguntam e querem saber porquê isto, porquê aquilo. Se eles mudam, meus senhores, sabemos também que muitas coisas do nosso costume vai mudar com eles. Habituamo-nos a ver o costume como imutável, mas o que é o costume? É a vontade do povo repetida muitas vezes de geração em geração. O que vemos agora é que estamos chegados no fim deste reinado a um ponto que temos de parar para pensar. Vamos continuar a seguir a regra da sucessão e deixar o nosso rei apodrecer na sua cadeira e com ele arruinarmos o próprio reino, as nossas próprias fazendas e riquezas ou vamos começar um novo costume, com a ajuda da educação dos nossos filhos, começar a reconstruir um reino dos Ombalas de que todos nos continuaremos a orgulhar?
Depois deste prolongado monólogo, as cabeças abanavam ou em sinal de aprovação ou em sinal de dúvida, até mesmo de negação.
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E esses mais novos vão-nos respeitar, e às nossas tradições?
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Deixem-me dizer o que eu sei. Eu vi Luanga junto do rei esta tarde. Muitas vezes eu censurei a sua presença lá na embala, mas ... hoje percebi como uma pessoa mais jovem pode amar alguém mais velho, de outra era, e respeitar mesmo depois que essa pessoa desapareceu, ser capaz de caminhar de mão dada com o seu espírito.
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Você viu o quê, kimbanda ?
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O que eu vi eu quero que vocês vejam também. Venham comigo à embala agora, Luanga já lá deve estar.
E foi assim que Luanga se tornou a rainha dos Ombalas, porque todos os mais velhos viram nos olhos do defunto rei a pequena chama de um sorriso que valeu para todos como a aprovação de quem lhe havia de suceder. Depois de coroada com a pele do leopardo, Luanga decretou que todos fossem iguais e que o seu sucessor não mais dependeria de um oráculo ou de um sorriso mas da eleição por todos os membros do reino, agora mais consolidado pelos seus esponsais com o jovem Finde, o herdeiro dos reis cativos nas guerras de há cem anos.
O sacerdote, sim, continuaria a ser o único cujo ministério seria transmitido de pai para filho, porque isto de funções religiosas tem mais que se lhe diga e que o comum dos homens, definitivamente, nunca há-de compreender.
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